sexta-feira, 29 de julho de 2011

Afiar o amolador

Sexto e ultimo capitulo do "fio da navalha"


Certa tarde apareceu lá na rua um amolador, um daqueles que andam de terra em terra a afiar facas e tesouras, chegou precedido do som inconfundivel do realejo de plastico, pequena gaita de beiços que se encontravam noutros tempos em feiras e romarias e que hoje não se encontram em lado nenhum a não ser nas mãos calejadas e sujas dalgum velho amolador, um daqueles que traz chuva quando toca.
- olha vai chover vem aí o amolador
O pessoal meteu conversa com o velho amolador, nem era tão velho assim, contaram-se histórias, abriram-se umas cervejas falou-se de facas assim, de facas assado, da qualidade dos aços, dos produtos baratos e rascas vindos da china...
Ele não disse nada, ouvia com atenção, observava com cuidado, tentava encontrar nas palavras do visitante indicios do conhecimento, da sabedoria do afiador...
O homem é um charlatão, nada sabe de afiar nem de cortar nem neste nem noutro mundo, não sabe nada, não sente nada...
Levou a mão ao bolso puxando da pequena faca que ainda uma hora antes tinha afiado com esmero como todos os dias depois do almoço, abriu-a num gesto automatico unicamente com a mão direita e dando um passo em frente perguntou
-Diga-me lá por favor se a minha faca precisa de ser afiada
o amolador pegou no pequeno canivete, olhou para ele com algum desdem, e passou o polegar pelo fio como é vulgar ver-se nos filmes
-Sim! sentenciou, Precisa mesmo de ser afiada está muito romba
Os outros olhavam e ouviam incredulos
-Tem a certeza?
-Então não tenho? afio facas há mais de trinta anos
-Desafia facas há trinta anos
Ele retirou a faca das mãos do amolador
-Esta faca está afiadissima, corta este e o outro mundo, o senhor não percebe nada de afiar
-Ninguem sabe mais do que eu ouviu!
O amolador avançou num gesto ameaçador...
...os presentes juram que não viram nada...
...a garganta aberta de lado a lado do amolador jorrava sangue...
...a faca cintilava...
O amolador foi prontamente assistido, não morreu, por pouco, mas não morreu
Ele foi preso e a faca confiscada, nessa noite dormiu na esquadra para ser apresentado ao juiz na tarde seguinte.
Pela hora do almoço do dia seguinte ele pediu que lhe devolvessem a faca  o que foi liminarmente recusado com alguns comentários jocosos e injuriosos á mistura.
Depois de almoçar adormeceu...
Foram lá buscá-lo para o levar perante o juiz, mas ele nunca mais acordou...

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