sexta-feira, 22 de março de 2019

O inventor de livros - As interligações do ser




O principio da unidade

As interligações do ser

                                                                Luis Nunes Alberto









Desde criança que me questiono sobre o porquê das coisas, sobre o como e sobre o quando. As respostas não têm sido muitas, e sobretudo não têm sido muito satisfatórias, especialmente aquelas que me vem de fora, do sistema , das instituições ou das igrejas .
Desde cedo fui aprendendo que nenhuma solução é definitiva porque tudo está em permanente evolução, o mundo que nos rodeia e nós próprios. Essas alterações, em nós e no universo fazem com que a perspectiva esteja sempre a mudar. Isto facilita-nos muito a vida porque tudo nos aparece como novo apesar de sabermos ou de intuirmos que assim não é.
Também fui aprendendo que não há coisas isoladas, tudo tem a ver com tudo, nada pode ser descartado, tudo está relacionado, interligado.
Esta busca de mim mesmo que me tem acompanhado desde os meus primeiros dias, é uma viagem sem destino, sem rota e sem chegada. Alguns dirão que é a busca de Deus, talvez seja, talvez não seja.
A dificuldade em falar de Deus ou em analisar esta questão é que toda a gente fala nele, quanto mais não seja para o negar, mas ninguém o define e cada um fala de coisa diferente. Ninguém o define porque o melhor modo de o definir é não o definindo. Porquê? Porque não pode ser comparado com nada nem ninguém, e nós só podemos entender aquilo que podemos comparar.
É por esta razão que os recordes são importantes, são o limite máximo ou mínimo do que se pode fazer ou alcançar em determinado campo, a partir daí podemos classificar, arrumar, seja o que for nessa área. Deus não tem limites seja em que direcção for, logo não pode ser definido nem medido nem coisa nenhuma.
Outra confusão que anda por aí acerca de Deus é que a tendência de todo o ser humano é de o encarar como qualquer coisa que está acima de nós e que nos é exterior. Não, Deus não nos é exterior , é qualquer coisa que nos é interior. Cada indivíduo tem um Deus diferente? Sim! Cada um tem um Deus diferente embora ele seja único. Um Deus diferente no modo como cada um o vive e o sente. No entanto é único, o mesmo para todos, com milhões de formas, milhões de caras, milhões de cores, milhões de nomes. De facto cada um se molda Deus à sua medida, não menos que o necessário, nem mais mais que o suficiente.
Se considerarmos que a alma é em cada um a parte divina e que Deus é único então temos todos a mesma alma.
O conceito de alma única é interessante porque abre uma serie de portas que levam ao entendimento do funcionamento de diferentes coisas paradoxais inexplicáveis ou incompreensíveis.
Uma das grandes questões de sempre é de saber em que consiste a vida. Uma das definições para um organismo vivo é: Um organismo autónomo capaz de se reproduzir e de se perpetuar. Na minha perspectiva são sistemas energéticos organizados em equilíbrio instável cujo único fim é a sua reprodução, formando assim uma corrente continua de vida no sentido inverso da entropia.
A entropia é a tendência para a degradação do universo, da energia, a evolução em direcção ao caos. A vida no entanto faz tudo para permanecer sempre mantendo as suas características básicas. Não a vida dum indivíduo, seja ele vegetal animal ou humano, mas a Vida no geral em todos os seus aspectos. Esta Vida com um V grande ocupa todo o espaço que nós conhecemos e provavelmente algum daquele que não conhecemos. Ela precisa de ocupar todos os espaços porque precisa de se manter completamente coesa, é uma malha que precisa manter-se intacta sem rupturas, sem buracos. Em muitos aspectos temos vindo a destruir a malha da Vida provocando o desaparecimento acelerado de espécies animais e vegetais. Até a nossa política em termos de vida humana tende para a catástrofe. Nós procuramos por todos os meios e a todo o custo garantir a longevidade e até se possível atingirmos a imortalidade, no entanto o que a Vida precisa é que haja a reprodução continua dos indivíduos, uma renovação permanente e não um prolongamento inútil da existência de cada um dos humanos. Se nos tornarmos imortais deixaremos de nos reproduzir, quer por opção quer por nos tornarmos estéreis. Isso a Vida nunca o permitirá, seremos substituídos por outra forma de vida qualquer.
Na alma única está todo o conhecimento de toda a humanidade e de todos Os seres vivos, de todo o tempo passado e de todo o tempo futuro porque para a alma não existe tempo, ela é o eterno presente. À medida que vamos adquirindo a consciência do conhecimento quando estudamos ou descobrimos qualquer coisa, estamos somente a reencontrar na alma o saber que lá está.
A alma é todo o tempo, toda a energia, todos os universos, a alma é Deus e nele estão contidos todos os Deuses de todos os povos, todos os velhos barbudos, todos os cristos, todos os santos, todos os heróis reais ou imaginados e todos nós. Sim nela , na alma, estão contidos todos os universos. Cada um de nós, cada ser vivo, mineral, vegetal ou animal é um universo diferente. Alguns destes universos, têm pontos de contacto mas muito poucos.
No teu universo está aquilo que tu sabes aquilo que tu conheces. Para ti, aquilo que ignoras não existe e portanto também no teu universo não existe. Tudo aquilo que tu vês, que tu sentes, que tu imaginas, tudo aquilo em que acreditas existe, pode ter níveis de realidade diferente no entanto tudo existe, tudo isso é o teu universo.
Há partes mais “reais” aquelas que os teus sentidos abarcam são as partes mais sólidas, o núcleo duro do teu universo. Depois há tudo aquilo que aprendeste na escola, nos livros, a memória que não é tua mas é aquela que foi compilada pelas gerações anteriores. Ela existe no teu mundo porque tu a aceitas como verdadeira, aceitas as memórias dos outros como se fossem tuas e sobre essas memórias assentas a construção do teu ego mais do que sobre o que tu es realmente, sobre o teu ser. Há ainda todo um mundo de fantasia que constitui as fronteiras do teu universo, a literatura, a ficção, os contos de fadas, de monstros, super heróis e outros pesadelos. Essa fantasia é uma espécie de memória dos sonhos.
Sim! Os nossos universos são essencialmente memórias e nada mais. Entre outras coisas o Tempo só existe pela memória. Sei que a tendência será certamente dizerem-me que a memória existe pelo tempo porque trata do passado e isso é definitivamente uma área do tempo. Mas eu continuo a dizer que o tempo existe pela memória, o tempo só existe pela nossa capacidade excepcional em distinguir os diferentes estados duma mesma coisa, distinguimos as mudanças, as alterações, as diferenças e memorizamos a sucessão das mesmas e o respectivo ritmo. É isso que constitui o tempo.
Costumamos dividir o tempo em três sectores distintos, o passado, o presente e o futuro. Na verdade só o presente existe, pelo menos temos que acreditar nisso, se o presente não existir nós também não, mas mesmo que assim fosse, no aspecto relativo, teríamos sempre existência mutua, o presente e nós porque podemos falar dele. Portanto só o presente existe apesar de não ter dimensão ou de ser tão pequeno como a quantidade, o ritmo, mais pequeno que consigamos medir. É virtualmente infinitamente pequeno, o que o torna virtualmente eterno ou infinito. No entanto por muito pequeno que seja, é nele que toda a nossa vida tem lugar, é o único espaço em que podemos agir, intervir, ser. O presente é pontual, a nossa vida é pontual, a nossa consciência das coisas também é pontual (porque raio é que nunca chegamos a horas?). Ou seja: Tudo acontece num ponto ou numa linha de tempo infinitamente pequena. A vida em geral, tudo o que é vivo mantém-se nessa linha, e nós humanos especialmente mantemo-nos no fio dessa aresta comparando o antes e o depois para termos a certeza que não caímos nem para um nem para o outro. Parece ser esse o objectivo da vida, não cair nem para um lado nem para o outro. Renovar-se reproduzindo-se tão depressa quanto possível para conservar toda a sua energia, para que esta não se degrade, para que não seja arrastada pela entropia.
Surfamos a entropia.
Todos os seres vivos não têm aparentemente outro objectivo que não esse, manter a vida sempre pujante reproduzindo-se infinitamente sempre adaptando-se as variações ambientais ou moldando-as para que a vida continue eternamente o seu curso.
Nós humanos temos uma capacidade de adaptação extraordinária porque desenvolvemos uma memória descomunal.
Um peixinho vermelho, daqueles que costumam pôr nos aquários, tem uma memória de três segundos, quando atravessa o aquário dum lado ao outro para ele é sempre novidade, é como se nadasse sempre em frente num oceano imenso, ele não se lembra que já bateu mil vezes no mesmo vidro. Os outros seres vivos também têm memórias mais ou menos curtas, quer em extensão quer em profundidade ou quantidade. Nós temos uma memória muito extensa embora também tenhamos um período de memória de utilização corrente que poderá ser de dimensão variável de pessoa para pessoa, pode ser um dia ou vários, uma semana por exemplo. Certamente que esse aspecto foi evoluindo, mudando ao longo dos tempos e também ao longo dos avanços técnicos e tecnológicos, nomeadamente desde que começou o uso de memórias de apoio, quer escritas quer gravadas quer electrónicas, que vieram dilatar a extensão da memória, especialmente, a da memória colectiva. Os meios auxiliares de memória, os livros, as fotos, as gravações sonoras, os filmes, os vídeos, os CDs e DVDs e todas as memórias informáticas, permitiram um alargamento extraordinário da nossa capacidade de memória e deram-nos meios poderosos para o tratamento da informação e do conhecimento.
A memória é o sistema fundamental do funcionamento da vida em geral e dos organismos vivos em particular. Sem ela nem haveria vida. O universo está sempre em movimento, desde a rotação das galáxias até á rotação do electrão, desde o bater do coração até ás frequências das ondas electromagneticas, cada coisa com o seu padrão, o seu ritmo. Todos esses ciclos são o que eu designo por contadores, estão em todo lado em todo o universo, regulam o ritmo de todos os movimentos da matéria , da energia, da vida, os tempos, as memórias.
O genoma é uma memória muito complexa, milhões e milhões de contadores interdependentes, condicionada por cada um deles e pelo conjunto das relações de todos. Trata-se dum “livro” que provavelmente é lido em simultâneo a partir das duas pontas ou até em toda a sua extensão sendo que cada leitura altera o seu estado e cada estado altera a sua leitura. Tanto mais que a “receita”, o “programa” para a construção dum novo ser não deve ser sequencial porque nenhum embrião é construído começando por uma extremidade mas sim de dentro para fora e o crescimento é simultâneo sobre todo o corpo, por exemplo, um braço quando aparece, apesar de não ter ainda a forma completa já lá está todo, em toda a sua extensão. Quando se dá a junção das duas partes, ovulo e espermatozoide , é constituído o novo genoma que entra imediatamente em acção na sua integralidade. Por isso a leitura nunca poderá ser sequencial alias nem nunca haverá propriamente leitura a não ser para nós em laboratório.
Todo e qualquer organismo vivo, por muito pequeno que seja está cheio de sistemas de auto regulação, de controle, de segurança.
Esses sistemas têm o objectivo de garantir que o organismo vivo em questão consegue cumprir a sua missão, a qual consiste na sua reprodução. Para o efeito tem que preencher duas condições, o bom funcionamento interno, e segurança externa ou seja: Interiormente estar em perfeitas condições de funcionamento e ter domínio sobre o seu ambiente externo, quer activamente, quer passivamente, com meios de o alterar quando necessário ou modos de adaptação e/ou protecção.
Esses sistemas funcionam como giroscópios, tem um estado padrão, programático e sempre que há um desvio imediatamente tenta compensar para que tudo volte ao estado inicial tendo uma tolerância limitada que permita as adaptações compatíveis. É um processo que trabalha por comparações sucessivas, compare-se o estado “actual” da situação com estado dos três instantes anteriores, anotam-se as diferenças e age-se em consequência. São necessários os três instantes anteriores porque são necessários sempre um mínimo de três elementos para se poder identificar a direcção das variações, das mudanças, e fazer as correcções adequadas. Portanto todo e qualquer sistema para funcionar precisa duma memória de pelo menos três momentos, sendo cada momento uma crista da onda da frequência a que vibra o sistema em questão. Cada sistema simples ou composto tem uma ou varias frequências de funcionamento ou ciclos.
Todos os seres vivos funcionam da mesma maneira e com o mesmo objectivo: Reproduzirem-se a um ritmo suficiente para assegurarem a sobrevivência da espécie que é também a sobrevivência da Vida. Todos têm a mesma importância porque estão dependentes uns dos outros. Se continuarmos a destruir espécies ao ritmo actual a nossa sobrevivência será impossível mais cedo do que podemos imaginar, abaixo de determinado nível de espécies toda a vida no planeta será impossível.
Na programação básica da vida a prioridade máxima vai para a sobrevivência da espécie, a segunda a sobrevivência da cria em terceiro a sobrevivência do indivíduo. Para atingir este objectivos cada espécie precisa assegurar as melhores condições possíveis, ou seja precisa garantir a energia, o alimento e um ambiente seguro para o crescimento das crias e que lhe proporcione a protecção suficiente para ter uma longevidade que lhe permita completar o ciclo de reprodução. Se considerarmos que o abastecimento também é uma questão de segurança então o factor essencial e único necessário para a vida será a segurança . Ora, a segurança está directamente dependente da memória porque entre outras coisas é necessário identificar os perigos, o que só é possível através da experiência, através da memória. Assim se explica que aquilo de que não há memória, á partida é considerado inseguro, perigoso, o medo do desconhecido. Portanto os seres vivos têm uma serie de sistemas que a cada ciclo verificam o estado das coisas, o estado do ambiente e aquele do próprio organismo, comparando-o com os estados verificados nos momentos anteriores, três no mínimo, que estão guardados em memória dos ciclos anteriores. Se as variações forem mínimas nem sequer há qualquer reacção, se ultrapassar um certo patamar é desencadeada uma acção tendente a recuperar o equilíbrio do sistema. Os desvios só são tolerados em quantidades ínfimas de cada vez e isso dependendo da direcção e dos desvios acumulados. Especialmente nos organismos mais simples os padrões em comparação são de origem genética, só de leitura, que não admitem alterações nenhumas ou tão pequeninas que passem através da malha do crivo de comparação. Quanto mais simples o ser vivo, mais imutáveis serão as memórias, os padrões de origem genética. Quanto mais complexo for mais abertas serão as suas memórias e maior o grau de adaptabilidade desse ser vivo. Se a humanidade tem sido tão bem sucedida deve-o inteiramente á sua capacidade de se adaptar a todos os ambientes decorrente da sua memória sem comparação no universo vivo conhecido. É essa exactamente a razão da nossa procura insaciável de meios auxiliares de memória que permitam um armazenamento de informação em quantidade, e uma velocidade de acesso á mesma tão alta quanto possível.
Nós controlamos o espaço á nossa volta para termos a segurança de que necessitamos para cumprir a missão universal de nos reproduzirmos indefinidamente e infinitamente. Para nos sentirmos seguros precisamos que as fronteiras estejam o mais longe possível e portanto vamos sempre tentar empurrá-las e aumentar o nosso espaço. É assim para nós próprios como para os países, para os povos. É esta a necessidade de crescimento sempre e sempre. Nós crescemos no conhecimento, na experiência na sabedoria. Só conseguimos controlar o espaço que conhecemos, só conhecemos o que temos arrumado nas nossas memórias.
As memórias guardadas em nós não são fotos, nem gravações de vídeo ou filmes, são informações relativas. Relativas porque são adquiridas, analisadas, classificadas e armazenadas e depois lidas sempre pela relação que têm com outros dados anteriormente memorizados. È todo um processo de comparações múltiplas que leva a uma identificação mais definida ou menos definida, uma visualização mais clara ou menos clara do objecto ou da ideia em apreço. Do mesmo modo todo o funcionamento do nosso pensamento, raciocínio e compreensão do que os nossos sentidos abarcam se processa por comparações sucessivas. Comparações com o que? Com tudo aquilo que temos nas nossas bases de dados, ou seja nas nossas memórias.
Quando chega uma informação através dos sentidos, todos os seus valores e atributos são comparados com todas as informações equiparadas que temos armazenadas na memória. Aquilo que na realidade vemos e ouvimos não é o objecto em observação mas sim as diferenças que existem relativamente á ideia padrão dessa categoria de objecto a qual resulta duma espécie de media de tudo o que foi observado nessa área até ao momento, são essas diferenças que nós classificamos, ordenamos e memorizamos para reutilizar a seguir. Portanto a imagem que se guarda consiste nas diferenças especificas em relação aos objectos comparáveis mais os “objectos comparáveis” que estavam memorizados.
Assim a nossa visão do mundo, do universo que nos rodeia, quer material, quer intelectual quer espiritual, não é o que se poderia chamar de realidade absoluta, mas antes uma espécie de casca vazia constituída por todas as comparações possíveis feitas em redor da ideia de universo, de mundo ou simplesmente de objecto, de situação ou de conceito.
Para dar uma ideia mais concreta vou dar o exemplo duma mesa. Para mim a ideia básica de mesa é um objecto de madeira com quatro pés e um tampo manchado e gasto pelo uso com mais ou menos dois metros de comprido. Esta foi a primeira mesa que vi, todas as outras são comparadas com esta e com as outras todas que entretanto terei visto, serão mais pequenas ou maiores, com mais ou menos pés, com cores diferentes, materiais diversos, texturas, manchas ou não manchas etc... O que me fica de qualquer mesa é um conjunto de diferenças mais ou menos marcadas, mais ou menos subtis, em relação ás outras todas, as quais também já são imagens obtidas pelo mesmo processo, e especialmente em relação á minha primeira mesa.
Por estas e por outras razões, aquilo que o universo é para cada um de nós é uma imagem, uma ideia difusa e dinâmica, sempre em movimento, sempre em mudança. Vemos e vivemos uma espécie de rede mais ou menos larga feita das relações entre as realidades que são os buracos da malha. Os nossos conhecimentos assentam sobre os nós que constituem a malha, a rede.
Sendo que tudo se processa por comparações entre comparações de comparações e que cada um tem referencias únicas, resulta que cada pessoa vive num mundo diverso de qualquer outra. Se tivermos ainda em conta que a troca de informação também se processa quer na emissão quer na recepção por comparações de elementos resultantes de referencias diferentes, chegamos á conclusão que toda e qualquer comunicação é praticamente impossível. Usamos códigos supostamente coincidentes dentro dum grupo social restrito para que a informação passe minimamente.
As palavras são os códigos de comunicação que utilizamos com maior frequência, quer faladas quer escritas. Só têm alguma eficácia dentro dum grupo que fale a mesma língua e a mesma linguagem quero dizer que tenha uma base alargada de referencias comuns.
As palavras são vivas, não são de pedra nem de ouro ou qualquer outro metal, vivem e vivendo nascem crescem e morrem como qualquer outro ser vivo. Para serem usadas na comunicação entre pessoas é preciso que haja sincronização entre as referencias de quem fala e as de quem ouve, referencias de significado e referencias temporais. As matemáticas e especialmente o código binário são os mais universais e mais adequados códigos á comunicação entre todos.
Cada palavra quando nasce, ou quando nasce em nós, tem um significado simples decorrendo do objecto ou acção que representa, que designa e um significado mais complexo, mas também mais profundo, derivado das circunstancias, do ambiente em que essa palavra é adquirida. Por esse facto a palavra tem mais ou menos força, mais ou menos peso, mais ou menos sentimento, e vai viver e crescer dentro de cada um conforme as condições em que será chamada a intervir.
A memória é uma base de dados que nos permite entender isto e aquilo, e minimamente, o mundo que nos rodeia através de todas as comparações que permite estabelecer. Quanto maior o numero de comparações que conseguir maior a definição da nossa imagem do mundo, mais claras as nossas ideias, as nossas visões, a nossa realidade. Daí o nosso interesse em conseguirmos uma memória cada vez maior. Mas não basta ter um grande numero de dados acumulados, é necessário podermos comparar todos eles com as informações que nos chegam dos nossos sentidos. Ora cada informação que chega passa a integrar a base de dados para comparação da próxima informação e assim sucessivamente o que leva a criar arquivos tão pesados que já não podem ser utilizados em termos práticos. Tanto mais que nós cruzamos em permanência informação em vários planos o que leva a que a memória seja constantemente alterada e as comparações desviadas do seu curso inicial. Este problema levou o homem a criar memórias auxiliares através da escrita primeiro e depois outros meios como a gravação do som da imagem etc...Até ás memórias informáticas de hoje.
Por outro lado a nossa memória é muito dinâmica porque cada informação nova que é tratada, comparada com tudo o resto, vai ocupar uma posição nos arquivos relativa a todo o conjunto e portanto vai modificar mais, ou modificar menos, tudo. Cada vez que se vai buscar e ler determinado ficheiro também se vai modificar todos os arquivos assim cada vez que recordamos determinado acontecimento temos que “fabricá-lo” de novo a partir de peças que já não são as de origem, já foram modificadas, algumas muito, outras pouco, mas das quais vai resultar um acontecimento diferente que vai ficar gravado memorizado novamente e assim, sucessivamente, cada abertura do ficheiro muda mais um pouco do mesmo. Resumindo, cada informação que entra, modifica tudo, e cada uma que sai, sai modificada e modifica também o todo. Assim se entende que quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto e acrescentara sempre que o repetir assim como também lhe tirará. Este também é um dos bons motivos que levaram á invenção da escrita, a possibilidade de ter um meio que levasse pelo menos quem o escreveu ás mesmas condições que existiam no momento em que o registo da memória é feito. É uma fixação da memória, em nós ela é sempre relativa, no papel ou gravada, ela passa a ser fixa apesar da sua leitura ser ainda relativa porque também a leitura é feita por comparação de códigos que em nós dependem da memória que está sempre em evolução.
O tempo é o presente, o presente é tão pequeno que a bem dizer não tem dimensão, no entanto é no presente que tudo acontece. Não podemos esticá-lo, o presente nunca vai ter dimensão, no entanto através da memória nós “alargamos” o presente juntando-lhe ou trazendo para dentro dele outros “presentes” de outros tempos. Quando usamos as memórias para comparar o instante presente com outros instantes que precederam, esses instantes passados alargam o momento presente e no limite podemos dizer que o presente que vivemos é o presente da nossa memória. Isto é duma importância fundamental porque ao alargarmos o presente trazendo para dentro dele o passado também o alargamos no sentido do futuro. Nós vivemos um presente “gordo” ou pelo menos avantajado. De tal modo que muita gente vive numa espécie de “ponte” que assenta no passado e no futuro e transpõe o presente sem passar praticamente por ele. Ele fica tão condicionado pelo passado e pelo futuro que deixa a bem dizer de ter existência.
Essencialmente memorizamos para termos uma base de dados para comparar as informações adquiridas para as podermos memorizar para termos uma base de dados maior para compararmos melhor as informações que chegam para melhor as memorizarmos para termos uma base de dados melhor e maior etc...
Só há vantagem em ter uma grande memória se a pudermos usar porque é preciso comparar cada entrada com toda a existência em cada ciclo de comparação. Enquanto estivemos limitados á nossa memória individual interna lidávamos com esse problema com alguma facilidade porque a nossa memória o que compara é o estado das coisas nos diferentes momentos. Compara o que somos agora com o que éramos no agora –1 (menos 1), no –2, no –3 e no –4 . Com as memórias auxiliares, os livros por exemplo, a minha biblioteca pode estar arrumada ou desarrumada mas nunca me dá uma média ou um resumo das interacções do conteúdo do conhecimento armazenado naqueles livros todos. Hoje temos maquinas que comparam a informação por nós, os computadores têm cada vez mais memória RAM e tem velocidades de funcionamento cada vez mais altas para poderem comparar mais informação num espaço de tempo mais pequeno.
Uma criança quando nasce não trás quase nenhumas memórias. Durante os primeiros anos de vida vai absorver informação para estruturar o seu sistema de gestão físico e mental. Nenhuma criança vai ter recordações elaboradas para baixo dos três anos de idade mais coisa menos coisa porque não tem base de dados com massa critica suficiente.
No bébé as primeiras imagens os primeiros sons as primeiras sensações adquiridas pelos sentidos serão a base de comparação para tudo aquilo que vier a conhecer ao longo de toda a sua vida.
Só é possível apreender, compreender e memorizar aquilo que podemos comparar com aquilo que já memorizámos e conhecemos. O que não conseguimos comparar por falta de referencias torna-se traumático quer dizer que fica em nós como que marcado a fogo no mais fundo da nossa personalidade. Esses traumas são e serão a estrutura de cada indivíduo e tudo ao longo da vida vai assentar sobre eles. Estes traumas de que falo nos recém nascidos não têm a carga violenta que costumamos empregar quando falamos de traumas em psiquiatria, mas o resultado é o mesmo porque ao longo da vida podemos encontrar situações em que os parâmetros sejam de tal modo extremos que saiam dos nossos padrões de comparação , que rebentem com a nossa escala e que por isso se tornem traumáticos e que alterem o nosso centro de gravidade mental e psíquico.














Ao nascer eu sou a dor, a luz, o som, os odores, o frio e a urgência de ser.
Depois evoluo para as flutuações de luz, de sons, de odores, de temperatura e de fome. Depois á medida que a quantidade de informação vai aumentando vou distinguindo padrões de luz, de sons (a voz da minha mãe, o bater do seu coração), de odores, de sabores, de temperaturas, de toques e vou memorizando esses padrões e vou reconhecendo outros padrões diferentes e vou sabendo e memorizando os padrões da minha mãe, os padrões do meu bem estar, os padrões da minha fome, os padrões da minha dor e outros mais. Vou distinguindo as diferenças e as recorrências. Vou colocando, situando, os padrões no meu espaço envolvente criando com eles o meu ambiente o meu mundo. Vou estabelecendo entre eles relações interacções, ligações entre sons e luz, entre sabores e odores, entre calores e frios, entre cada um e cada todos. Junto os padrões á minha volta, os padrões escondem-me, protegem-me, são familiares, confortáveis, seguros, os padrões são bons.
Cada dia que passa, mais padrões aparecem, reconheço-os e gosto, tenho prazer na sua companhia. Juntam-se em grupos, organizam-se, formam padrões maiores, mais bonitos, os padrões são bons, iluminam o escuro, empurram-no para mais longe. Dos meus sentidos chegam sempre elementos que se juntam em mais padrões, sempre sempre , uns reconheço outros não. Quando reconheço algum novo fico muito contente. Reconhecer os padrões é bom. Começo a brincar com eles, a juntá-los em varias posições até eles encaixarem, quando faço algum grande fico contente, sinto prazer, construo padrões de movimento, de som, consegui agora fazer um padrão grande, complicado, com muitas interligações, um padrão de som e movimento que vibra e brilha quando se activa quando pronuncio a palavra “mãe”. Sim uma palavra, tenho que começar a pôr nomes nos padrões, com nomes posso lidar com eles mais facilmente, tornam-se mais leves, encaixam mais facilmente não preciso visualizá-lo a cada um por inteiro. Já reconheço muitos padrões-pessoas pelas caras, pelos sorrisos, pelos olhos, pelos sons e pelos cheiros e vou reconhecendo os padrões-palavras mesmo pronunciados por pessoas diferentes, vou guardando-os, comparando-os tentando reconhecer o seu significado. Agora já tenho uma grande quantidade de padrões-palavras arrumados á minha volta todos interligados, cada um com o seu movimento, a sua vibração, o seu brilho e todos participando da vibração composta total e com eles todos faço e desfaço padrões de ligações e projecto a minha voz, começo a falar. O efeito dos padrões que pronuncio nos padrões das pessoas informa-me da qualidade dos meus padrões, reconheço padrões de aprovação ou de correcção e de prazer. Fico muito contente, sinto-me bem a fazer padrões, é bom , é agradável, é seguro. Quero mais.










Os primeiros instantes duma criança, os primeiros dias, fixam as bases, as fundações da personalidade do indivíduo, de certo modo todos os seus sentidos ficam calibrados sobre esses parâmetros e daí para a frente tudo é comparado com esses atributos iniciais.
Esses elementos primeiros serão a muralha interior, o núcleo do ego.
Daí para a frente tudo é crescimento acrescentando sempre mais elementos comparando-os com os que estão integrados, sempre numa perspectiva de confirmar e consolidar os iniciais. É tudo um mecanismo dinâmico constituído de todas as resultantes das comparações e interligações que vibram a alta frequência e em que a cada vibração verificam o seu estado individual e o estado do todo comparando-o com o ciclo anterior. Tudo isto constitui uma unidade que não admite alterações a não ser no sentido do crescimento para afastar as fronteiras do conhecimento o mais longe possível. No entanto esse crescimento só pode ter lugar numa determinada medida porque cada elemento acrescentado tem que ser perfeitamente integrado por comparação com todos os que já estão. A limitação do crescimento é devido ao facto que é todo o ego que cresce por igual embora o possa fazer com alguma orientação num sentido ou noutro, sem nunca alterar significativamente o centro de gravidade.
Durante anos o crescimento é continuo até que o tamanho se torna de tal ordem que é demasiado para que as comparações integrais sejam possíveis, nessa altura o ego “cristaliza” para se proteger porque deixando de crescer entra em deterioração. Ao longo de toda a vida dum indivíduo o ego será sempre igual ao iniciado na impressão inicial, só podendo ser modificado de modo traumático se ele for confrontado com elementos incomparáveis, ou seja para os quais não tenha referencias que lhe permitam compreendê-los, integrá-los e aceitá-los, esses elementos tornar-se hão traumas que irão modificar o centro de gravidade do ego podendo inclusive destrui-lo.
Os traumas são indeléveis porque “queimam parte do tecido, da malha de memórias que constitui o ego. Algumas interligações ficam destruídas para sempre , a reconstituição do tecido só pode ser feita contornando a área queimada. Na melhor das hipóteses os traumas ficam enquistados, petrificam e permanecem relativamente ignorados dentro da medida do possível. No entanto o centro de gravidade ficou para sempre alterado.

Olho o mundo á minha volta, aquele que os meus sentidos alcançam e por mais longe que eu olhe, que eu oiça ou que eu sinta, não me encontro, não estou lá, não me vejo lá. Eu estou sempre por trás dos meus sentidos. O universo que eu conheço é o dos meus sentidos, para mim só esse existe, aquilo que desconheço não existe no meu universo.
Olho para todo o lado, eu estou, eu sou, o centro do meu universo no entanto estou por trás, fora dos meus sentidos, não me vejo, não me conheço logo não existo no meu universo, sou o centro dele mas estou fora dele. O meu mundo, aquele que vejo e vivo á minha volta vai comigo para todo o lado, é o meu envolucro, a minha muralha, ele protege-me no espaço e no tempo.
O meu universo é constituído pelas minhas memórias, por milhões de paisagens, sorrisos, lagrimas e canções. Mas em nenhuma dessas paisagens ou outra memória qualquer eu estou, não me vejo lá por mais que olhe, que lembre, que imagine, estou fora das minhas memórias. Mas estou na memória dos outros. Não eu na realidade mas a “ideia” de mim que cada um faz no seu próprio mundo. Cada uma das pessoas que me conhece tem o seu próprio universo e em cada uma delas eu tenho um lugar, relevante ou não, em cada um eu sou diferente e vou-me transformando ao sabor das variações da ideia que cada um de mim faz.
Tenho assim centenas de vidas diferentes, talvez milhares.
Onde estarei eu mais vivo? Aqui ou lá? Seja o aqui onde for e o lá lá.
Os meus olhos captam a luz, ou não, eles captam a diferença de luz entre aquilo que está iluminado e aquilo que não está, essas diferenças de iluminação provocam uma diferença de potencial entre os sensores que vai provocar uma corrente eléctrica que “carrega” a codificação que faz a imagem no cérebro. É o cérebro que vê e não os olhos. Os sentidos em geral só captam as diferenças e traduzem-nas em informação que é enviada ao cérebro ou recolhida por este onde é comparada com o registo dos instantes anteriores e o cérebro toma nota das diferenças construindo com elas a “imagem” sensorial total dos estado das coisas.
Digo que é o cerebro no entanto não estou muito convencido que a nossa consciência, o nosso ego resida no cerebro, assim como as memórias, não é garantido que estejam no cerebro, podem estar no corpo todo ou até no campo da alma. O cerebro é de facto muito importante e não duvido que seja um “processador” ou milhares ou milhões deles, mas nada nos garante que a informação e a consciência estejam sediadas nele.
No meu ponto de vista a nossa consciência tem uma existência repartida em simultâneo sobre toda a extensão da nossa vida, passada, presente e futura e portanto é provável que também todo o nosso arquivo esteja na alma e não no nosso corpo.
Diz-se que no momento da morte passam perante nós todas as memórias da nossa vida, pois faz todo o sentido porque se temos uma vida “simultânea”, como uma peça só, sobre toda a sua extensão também “morremos” simultaneamente do momento “morte” ao momento “nascimento”.
Tudo em nós procura o equilíbrio, todo o nosso consciente mais do que outra qualquer parte de nós ou é dessa que temos mais consciência( pois pois) no entanto só o desequilíbrio produz movimento. Toda a vida é movimento, nada pode estar parado nunca. É como uma fila de dominós que fosse caindo sempre num circulo infinito (nenhum circulo é finito nem infinito) sempre com as mesmas peças. Mas como os dominós não podem continuar sempre a cair digamos que estão a oscilar rapidamente ou seja a vibrar.

No nosso ego ali onde está aquilo que pensamos que somos, e aquilo que pensamos que o mundo é estão quantidades de conceitos elaborados não na realidade mas nas diferenças entre aparências de realidades e nas conveniências do nosso sistema de manter uma estabilidade dinâmica.
Trabalhamos assim com uma serie de preconceitos, rotinas que nos permitem simplificar o funcionamento do pensamento e da consciência ignorando a maior parte da informação para nos debruçarmos só sobre aquela com maior carga de incomodo ou prazer.
E depois dum analise assim tão profunda, tão fria, tão fora da escala humana podem perguntar-me : E do amor, que é feito do amor?
De que é feito o amor?
Vejam no kamasutra de que é feito o amor.
No entanto do amor queremos a aprovação , a indicação que existimos, de que estamos num caminho válido de que cavalgamos as ilusões correctas e de que estabelecemos uma ponte da alma para alma.










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