O
principio da unidade
As
interligações do ser
Desde criança que me questiono sobre o porquê das coisas, sobre o
como e sobre o quando. As respostas não têm sido muitas, e
sobretudo não têm sido muito satisfatórias, especialmente aquelas
que me vem de fora, do sistema , das instituições ou das igrejas .
Desde
cedo fui aprendendo que nenhuma solução é definitiva porque tudo
está em permanente evolução, o mundo que nos rodeia e nós
próprios. Essas alterações, em nós e no universo fazem com que a
perspectiva esteja sempre a mudar. Isto facilita-nos muito a vida
porque tudo nos aparece como novo apesar de sabermos ou de intuirmos
que assim não é.
Também
fui aprendendo que não há coisas isoladas, tudo tem a ver com tudo,
nada pode ser descartado, tudo está relacionado, interligado.
Esta
busca de mim mesmo que me tem acompanhado desde os meus primeiros
dias, é uma viagem sem destino, sem rota e sem chegada. Alguns dirão
que é a busca de Deus, talvez seja, talvez não seja.
A
dificuldade em falar de Deus ou em analisar esta questão é que
toda a gente fala nele, quanto mais não seja para o negar, mas
ninguém o define e cada um fala de coisa diferente. Ninguém o
define porque o melhor modo de o definir é não o definindo. Porquê?
Porque não pode ser comparado com nada nem ninguém, e nós só
podemos entender aquilo que podemos comparar.
É
por esta razão que os recordes são importantes, são o limite
máximo ou mínimo do que se pode fazer ou alcançar em determinado
campo, a partir daí podemos classificar, arrumar, seja o que for
nessa área. Deus não tem limites seja em que direcção for, logo
não pode ser definido nem medido nem coisa nenhuma.
Outra
confusão que anda por aí acerca de Deus é que a tendência de todo
o ser humano é de o encarar como qualquer coisa que está acima de
nós e que nos é exterior. Não, Deus não nos é exterior , é
qualquer coisa que nos é interior. Cada indivíduo tem um Deus
diferente? Sim! Cada um tem um Deus diferente embora ele seja único.
Um Deus diferente no modo como cada um o vive e o sente. No entanto é
único, o mesmo para todos, com milhões de formas, milhões de
caras, milhões de cores, milhões de nomes. De facto cada um se
molda Deus à sua medida, não menos que o necessário, nem mais mais
que o suficiente.
Se
considerarmos que a alma é em cada um a parte divina e que Deus é
único então temos todos a mesma alma.
O
conceito de alma única é interessante porque abre uma serie de
portas que levam ao entendimento do funcionamento de diferentes
coisas paradoxais inexplicáveis ou incompreensíveis.
Uma
das grandes questões de sempre é de saber em que consiste a vida.
Uma das definições para um organismo vivo é: Um organismo autónomo
capaz de se reproduzir e de se perpetuar. Na minha perspectiva são
sistemas energéticos organizados em equilíbrio instável cujo único
fim é a sua reprodução, formando assim uma corrente continua de
vida no sentido inverso da entropia.
A
entropia é a tendência para a degradação do universo, da energia,
a evolução em direcção ao caos. A vida no entanto faz tudo para
permanecer sempre mantendo as suas características básicas. Não a
vida dum indivíduo, seja ele vegetal animal ou humano, mas a Vida no
geral em todos os seus aspectos. Esta Vida com um V grande ocupa todo
o espaço que nós conhecemos e provavelmente algum daquele que não
conhecemos. Ela precisa de ocupar todos os espaços porque precisa de
se manter completamente coesa, é uma malha que precisa manter-se
intacta sem rupturas, sem buracos. Em muitos aspectos temos vindo a
destruir a malha da Vida provocando o desaparecimento acelerado de
espécies animais e vegetais. Até a nossa política em termos de
vida humana tende para a catástrofe. Nós procuramos por todos os
meios e a todo o custo garantir a longevidade e até se possível
atingirmos a imortalidade, no entanto o que a Vida precisa é que
haja a reprodução continua dos indivíduos, uma renovação
permanente e não um prolongamento inútil da existência de cada um
dos humanos. Se nos tornarmos imortais deixaremos de nos reproduzir,
quer por opção quer por nos tornarmos estéreis. Isso a Vida nunca
o permitirá, seremos substituídos por outra forma de vida qualquer.
Na
alma única está todo o conhecimento de toda a humanidade e de
todos Os seres vivos, de todo o tempo passado e de todo o tempo
futuro porque para a alma não existe tempo, ela é o eterno
presente. À medida que vamos adquirindo a consciência do
conhecimento quando estudamos ou descobrimos qualquer coisa, estamos
somente a reencontrar na alma o saber que lá está.
A
alma é todo o tempo, toda a energia, todos os universos, a alma é
Deus e nele estão contidos todos os Deuses de todos os povos, todos
os velhos barbudos, todos os cristos, todos os santos, todos os
heróis reais ou imaginados e todos nós. Sim nela , na alma, estão
contidos todos os universos. Cada um de nós, cada ser vivo, mineral,
vegetal ou animal é um universo diferente. Alguns destes universos,
têm pontos de contacto mas muito poucos.
No
teu universo está aquilo que tu sabes aquilo que tu conheces. Para
ti, aquilo que ignoras não existe e portanto também no teu universo
não existe. Tudo aquilo que tu vês, que tu sentes, que tu imaginas,
tudo aquilo em que acreditas existe, pode ter níveis de realidade
diferente no entanto tudo existe, tudo isso é o teu universo.
Há
partes mais “reais” aquelas que os teus sentidos abarcam são as
partes mais sólidas, o núcleo duro do teu universo. Depois há tudo
aquilo que aprendeste na escola, nos livros, a memória que não é
tua mas é aquela que foi compilada pelas gerações anteriores. Ela
existe no teu mundo porque tu a aceitas como verdadeira, aceitas as
memórias dos outros como se fossem tuas e sobre essas memórias
assentas a construção do teu ego mais do que sobre o que tu es
realmente, sobre o teu ser. Há ainda todo um mundo de fantasia que
constitui as fronteiras do teu universo, a literatura, a ficção, os
contos de fadas, de monstros, super heróis e outros pesadelos. Essa
fantasia é uma espécie de memória dos sonhos.
Sim!
Os nossos universos são essencialmente memórias e nada mais. Entre
outras coisas o Tempo só existe pela memória. Sei que a tendência
será certamente dizerem-me que a memória existe pelo tempo porque
trata do passado e isso é definitivamente uma área do tempo. Mas eu
continuo a dizer que o tempo existe pela memória, o tempo só existe
pela nossa capacidade excepcional em distinguir os diferentes estados
duma mesma coisa, distinguimos as mudanças, as alterações, as
diferenças e memorizamos a sucessão das mesmas e o respectivo
ritmo. É isso que constitui o tempo.
Costumamos
dividir o tempo em três sectores distintos, o passado, o presente e
o futuro. Na verdade só o presente existe, pelo menos temos que
acreditar nisso, se o presente não existir nós também não, mas
mesmo que assim fosse, no aspecto relativo, teríamos sempre
existência mutua, o presente e nós porque podemos falar dele.
Portanto só o presente existe apesar de não ter dimensão ou de ser
tão pequeno como a quantidade, o ritmo, mais pequeno que consigamos
medir. É virtualmente infinitamente pequeno, o que o torna
virtualmente eterno ou infinito. No entanto por muito pequeno que
seja, é nele que toda a nossa vida tem lugar, é o único espaço em
que podemos agir, intervir, ser. O presente é pontual, a nossa vida
é pontual, a nossa consciência das coisas também é pontual
(porque raio é que nunca chegamos a horas?). Ou seja: Tudo acontece
num ponto ou numa linha de tempo infinitamente pequena. A vida em
geral, tudo o que é vivo mantém-se nessa linha, e nós humanos
especialmente mantemo-nos no fio dessa aresta comparando o antes e o
depois para termos a certeza que não caímos nem para um nem para o
outro. Parece ser esse o objectivo da vida, não cair nem para um
lado nem para o outro. Renovar-se reproduzindo-se tão depressa
quanto possível para conservar toda a sua energia, para que esta não
se degrade, para que não seja arrastada pela entropia.
Surfamos
a entropia.
Todos
os seres vivos não têm aparentemente outro objectivo que não esse,
manter a vida sempre pujante reproduzindo-se infinitamente sempre
adaptando-se as variações ambientais ou moldando-as para que a vida
continue eternamente o seu curso.
Nós
humanos temos uma capacidade de adaptação extraordinária porque
desenvolvemos uma memória descomunal.
Um
peixinho vermelho, daqueles que costumam pôr nos aquários, tem uma
memória de três segundos, quando atravessa o aquário dum lado ao
outro para ele é sempre novidade, é como se nadasse sempre em
frente num oceano imenso, ele não se lembra que já bateu mil vezes
no mesmo vidro. Os outros seres vivos também têm memórias mais ou
menos curtas, quer em extensão quer em profundidade ou quantidade.
Nós temos uma memória muito extensa embora também tenhamos um
período de memória de utilização corrente que poderá ser de
dimensão variável de pessoa para pessoa, pode ser um dia ou vários,
uma semana por exemplo. Certamente que esse aspecto foi evoluindo,
mudando ao longo dos tempos e também ao longo dos avanços técnicos
e tecnológicos, nomeadamente desde que começou o uso de memórias
de apoio, quer escritas quer gravadas quer electrónicas, que vieram
dilatar a extensão da memória, especialmente, a da memória
colectiva. Os meios auxiliares de memória, os livros, as fotos, as
gravações sonoras, os filmes, os vídeos, os CDs e DVDs e todas as
memórias informáticas, permitiram um alargamento extraordinário da
nossa capacidade de memória e deram-nos meios poderosos para o
tratamento da informação e do conhecimento.
A
memória é o sistema fundamental do funcionamento da vida em geral e
dos organismos vivos em particular. Sem ela nem haveria vida. O
universo está sempre em movimento, desde a rotação das galáxias
até á rotação do electrão, desde o bater do coração até ás
frequências das ondas electromagneticas, cada coisa com o seu
padrão, o seu ritmo. Todos esses ciclos são o que eu designo por
contadores, estão em todo lado em todo o universo, regulam o ritmo
de todos os movimentos da matéria , da energia, da vida, os tempos,
as memórias.
O
genoma é uma memória muito complexa, milhões e milhões de
contadores interdependentes, condicionada por cada um deles e pelo
conjunto das relações de todos. Trata-se dum “livro” que
provavelmente é lido em simultâneo a partir das duas pontas ou até
em toda a sua extensão sendo que cada leitura altera o seu estado e
cada estado altera a sua leitura. Tanto mais que a “receita”, o
“programa” para a construção dum novo ser não deve ser
sequencial porque nenhum embrião é construído começando por uma
extremidade mas sim de dentro para fora e o crescimento é simultâneo
sobre todo o corpo, por exemplo, um braço quando aparece, apesar de
não ter ainda a forma completa já lá está todo, em toda a sua
extensão. Quando se dá a junção das duas partes, ovulo e
espermatozoide , é constituído o novo genoma que entra
imediatamente em acção na sua integralidade. Por isso a leitura
nunca poderá ser sequencial alias nem nunca haverá propriamente
leitura a não ser para nós em laboratório.
Todo
e qualquer organismo vivo, por muito pequeno que seja está cheio de
sistemas de auto regulação, de controle, de segurança.
Esses
sistemas têm o objectivo de garantir que o organismo vivo em questão
consegue cumprir a sua missão, a qual consiste na sua reprodução.
Para o efeito tem que preencher duas condições, o bom funcionamento
interno, e segurança externa ou seja: Interiormente estar em
perfeitas condições de funcionamento e ter domínio sobre o seu
ambiente externo, quer activamente, quer passivamente, com meios de o
alterar quando necessário ou modos de adaptação e/ou protecção.
Esses
sistemas funcionam como giroscópios, tem um estado padrão,
programático e sempre que há um desvio imediatamente tenta
compensar para que tudo volte ao estado inicial tendo uma tolerância
limitada que permita as adaptações compatíveis. É um processo que
trabalha por comparações sucessivas, compare-se o estado “actual”
da situação com estado dos três instantes anteriores, anotam-se as
diferenças e age-se em consequência. São necessários os três
instantes anteriores porque são necessários sempre um mínimo de
três elementos para se poder identificar a direcção das variações,
das mudanças, e fazer as correcções adequadas. Portanto todo e
qualquer sistema para funcionar precisa duma memória de pelo menos
três momentos, sendo cada momento uma crista da onda da frequência
a que vibra o sistema em questão. Cada sistema simples ou composto
tem uma ou varias frequências de funcionamento ou ciclos.
Todos
os seres vivos funcionam da mesma maneira e com o mesmo objectivo:
Reproduzirem-se a um ritmo suficiente para assegurarem a
sobrevivência da espécie que é também a sobrevivência da Vida.
Todos têm a mesma importância porque estão dependentes uns dos
outros. Se continuarmos a destruir espécies ao ritmo actual a nossa
sobrevivência será impossível mais cedo do que podemos imaginar,
abaixo de determinado nível de espécies toda a vida no planeta será
impossível.
Na
programação básica da vida a prioridade máxima vai para a
sobrevivência da espécie, a segunda a sobrevivência da cria em
terceiro a sobrevivência do indivíduo. Para atingir este objectivos
cada espécie precisa assegurar as melhores condições possíveis,
ou seja precisa garantir a energia, o alimento e um ambiente seguro
para o crescimento das crias e que lhe proporcione a protecção
suficiente para ter uma longevidade que lhe permita completar o ciclo
de reprodução. Se considerarmos que o abastecimento também é uma
questão de segurança então o factor essencial e único necessário
para a vida será a segurança . Ora, a segurança está directamente
dependente da memória porque entre outras coisas é necessário
identificar os perigos, o que só é possível através da
experiência, através da memória. Assim se explica que aquilo de
que não há memória, á partida é considerado inseguro, perigoso,
o medo do desconhecido. Portanto os seres vivos têm uma serie de
sistemas que a cada ciclo verificam o estado das coisas, o estado do
ambiente e aquele do próprio organismo, comparando-o com os estados
verificados nos momentos anteriores, três no mínimo, que estão
guardados em memória dos ciclos anteriores. Se as variações forem
mínimas nem sequer há qualquer reacção, se ultrapassar um certo
patamar é desencadeada uma acção tendente a recuperar o equilíbrio
do sistema. Os desvios só são tolerados em quantidades ínfimas de
cada vez e isso dependendo da direcção e dos desvios acumulados.
Especialmente nos organismos mais simples os padrões em comparação
são de origem genética, só de leitura, que não admitem alterações
nenhumas ou tão pequeninas que passem através da malha do crivo de
comparação. Quanto mais simples o ser vivo, mais imutáveis serão
as memórias, os padrões de origem genética. Quanto mais complexo
for mais abertas serão as suas memórias e maior o grau de
adaptabilidade desse ser vivo. Se a humanidade tem sido tão bem
sucedida deve-o inteiramente á sua capacidade de se adaptar a todos
os ambientes decorrente da sua memória sem comparação no universo
vivo conhecido. É essa exactamente a razão da nossa procura
insaciável de meios auxiliares de memória que permitam um
armazenamento de informação em quantidade, e uma velocidade de
acesso á mesma tão alta quanto possível.
Nós
controlamos o espaço á nossa volta para termos a segurança de que
necessitamos para cumprir a missão universal de nos reproduzirmos
indefinidamente e infinitamente. Para nos sentirmos seguros
precisamos que as fronteiras estejam o mais longe possível e
portanto vamos sempre tentar empurrá-las e aumentar o nosso espaço.
É assim para nós próprios como para os países, para os povos. É
esta a necessidade de crescimento sempre e sempre. Nós crescemos no
conhecimento, na experiência na sabedoria. Só conseguimos
controlar o espaço que conhecemos, só conhecemos o que temos
arrumado nas nossas memórias.
As
memórias guardadas em nós não são fotos, nem gravações de vídeo
ou filmes, são informações relativas. Relativas porque são
adquiridas, analisadas, classificadas e armazenadas e depois lidas
sempre pela relação que têm com outros dados anteriormente
memorizados. È todo um processo de comparações múltiplas que leva
a uma identificação mais definida ou menos definida, uma
visualização mais clara ou menos clara do objecto ou da ideia em
apreço. Do mesmo modo todo o funcionamento do nosso pensamento,
raciocínio e compreensão do que os nossos sentidos abarcam se
processa por comparações sucessivas. Comparações com o que? Com
tudo aquilo que temos nas nossas bases de dados, ou seja nas nossas
memórias.
Quando
chega uma informação através dos sentidos, todos os seus valores e
atributos são comparados com todas as informações equiparadas que
temos armazenadas na memória. Aquilo que na realidade vemos e
ouvimos não é o objecto em observação mas sim as diferenças que
existem relativamente á ideia padrão dessa categoria de objecto a
qual resulta duma espécie de media de tudo o que foi observado nessa
área até ao momento, são essas diferenças que nós
classificamos, ordenamos e memorizamos para reutilizar a seguir.
Portanto a imagem que se guarda consiste nas diferenças especificas
em relação aos objectos comparáveis mais os “objectos
comparáveis” que estavam memorizados.
Assim
a nossa visão do mundo, do universo que nos rodeia, quer material,
quer intelectual quer espiritual, não é o que se poderia chamar de
realidade absoluta, mas antes uma espécie de casca vazia
constituída por todas as comparações possíveis feitas em redor da
ideia de universo, de mundo ou simplesmente de objecto, de situação
ou de conceito.
Para
dar uma ideia mais concreta vou dar o exemplo duma mesa. Para mim a
ideia básica de mesa é um objecto de madeira com quatro pés e um
tampo manchado e gasto pelo uso com mais ou menos dois metros de
comprido. Esta foi a primeira mesa que vi, todas as outras são
comparadas com esta e com as outras todas que entretanto terei visto,
serão mais pequenas ou maiores, com mais ou menos pés, com cores
diferentes, materiais diversos, texturas, manchas ou não manchas
etc... O que me fica de qualquer mesa é um conjunto de diferenças
mais ou menos marcadas, mais ou menos subtis, em relação ás outras
todas, as quais também já são imagens obtidas pelo mesmo processo,
e especialmente em relação á minha primeira mesa.
Por
estas e por outras razões, aquilo que o universo é para cada um de
nós é uma imagem, uma ideia difusa e dinâmica, sempre em
movimento, sempre em mudança. Vemos e vivemos uma espécie de rede
mais ou menos larga feita das relações entre as realidades que são
os buracos da malha. Os nossos conhecimentos assentam sobre os nós
que constituem a malha, a rede.
Sendo
que tudo se processa por comparações entre comparações de
comparações e que cada um tem referencias únicas, resulta que cada
pessoa vive num mundo diverso de qualquer outra. Se tivermos ainda em
conta que a troca de informação também se processa quer na emissão
quer na recepção por comparações de elementos resultantes de
referencias diferentes, chegamos á conclusão que toda e qualquer
comunicação é praticamente impossível. Usamos códigos
supostamente coincidentes dentro dum grupo social restrito para que a
informação passe minimamente.
As
palavras são os códigos de comunicação que utilizamos com maior
frequência, quer faladas quer escritas. Só têm alguma eficácia
dentro dum grupo que fale a mesma língua e a mesma linguagem quero
dizer que tenha uma base alargada de referencias comuns.
As
palavras são vivas, não são de pedra nem de ouro ou qualquer outro
metal, vivem e vivendo nascem crescem e morrem como qualquer outro
ser vivo. Para serem usadas na comunicação entre pessoas é preciso
que haja sincronização entre as referencias de quem fala e as de
quem ouve, referencias de significado e referencias temporais. As
matemáticas e especialmente o código binário são os mais
universais e mais adequados códigos á comunicação entre todos.
Cada
palavra quando nasce, ou quando nasce em nós, tem um significado
simples decorrendo do objecto ou acção que representa, que designa
e um significado mais complexo, mas também mais profundo, derivado
das circunstancias, do ambiente em que essa palavra é adquirida. Por
esse facto a palavra tem mais ou menos força, mais ou menos peso,
mais ou menos sentimento, e vai viver e crescer dentro de cada um
conforme as condições em que será chamada a intervir.
A
memória é uma base de dados que nos permite entender isto e aquilo,
e minimamente, o mundo que nos rodeia através de todas as
comparações que permite estabelecer. Quanto maior o numero de
comparações que conseguir maior a definição da nossa imagem do
mundo, mais claras as nossas ideias, as nossas visões, a nossa
realidade. Daí o nosso interesse em conseguirmos uma memória cada
vez maior. Mas não basta ter um grande numero de dados acumulados, é
necessário podermos comparar todos eles com as informações que nos
chegam dos nossos sentidos. Ora cada informação que chega passa a
integrar a base de dados para comparação da próxima informação e
assim sucessivamente o que leva a criar arquivos tão pesados que já
não podem ser utilizados em termos práticos. Tanto mais que nós
cruzamos em permanência informação em vários planos o que leva a
que a memória seja constantemente alterada e as comparações
desviadas do seu curso inicial. Este problema levou o homem a criar
memórias auxiliares através da escrita primeiro e depois outros
meios como a gravação do som da imagem etc...Até ás memórias
informáticas de hoje.
Por
outro lado a nossa memória é muito dinâmica porque cada informação
nova que é tratada, comparada com tudo o resto, vai ocupar uma
posição nos arquivos relativa a todo o conjunto e portanto vai
modificar mais, ou modificar menos, tudo. Cada vez que se vai buscar
e ler determinado ficheiro também se vai modificar todos os arquivos
assim cada vez que recordamos determinado acontecimento temos que
“fabricá-lo” de novo a partir de peças que já não são as de
origem, já foram modificadas, algumas muito, outras pouco, mas das
quais vai resultar um acontecimento diferente que vai ficar gravado
memorizado novamente e assim, sucessivamente, cada abertura do
ficheiro muda mais um pouco do mesmo. Resumindo, cada informação
que entra, modifica tudo, e cada uma que sai, sai modificada e
modifica também o todo. Assim se entende que quem conta um conto
acrescenta-lhe um ponto e acrescentara sempre que o repetir assim
como também lhe tirará. Este também é um dos bons motivos que
levaram á invenção da escrita, a possibilidade de ter um meio que
levasse pelo menos quem o escreveu ás mesmas condições que
existiam no momento em que o registo da memória é feito. É uma
fixação da memória, em nós ela é sempre relativa, no papel ou
gravada, ela passa a ser fixa apesar da sua leitura ser ainda
relativa porque também a leitura é feita por comparação de
códigos que em nós dependem da memória que está sempre em
evolução.
O
tempo é o presente, o presente é tão pequeno que a bem dizer não
tem dimensão, no entanto é no presente que tudo acontece. Não
podemos esticá-lo, o presente nunca vai ter dimensão, no entanto
através da memória nós “alargamos” o presente juntando-lhe ou
trazendo para dentro dele outros “presentes” de outros tempos.
Quando usamos as memórias para comparar o instante presente com
outros instantes que precederam, esses instantes passados alargam o
momento presente e no limite podemos dizer que o presente que vivemos
é o presente da nossa memória. Isto é duma importância
fundamental porque ao alargarmos o presente trazendo para dentro dele
o passado também o alargamos no sentido do futuro. Nós vivemos um
presente “gordo” ou pelo menos avantajado. De tal modo que muita
gente vive numa espécie de “ponte” que assenta no passado e no
futuro e transpõe o presente sem passar praticamente por ele. Ele
fica tão condicionado pelo passado e pelo futuro que deixa a bem
dizer de ter existência.
Essencialmente
memorizamos para termos uma base de dados para comparar as
informações adquiridas para as podermos memorizar para termos uma
base de dados maior para compararmos melhor as informações que
chegam para melhor as memorizarmos para termos uma base de dados
melhor e maior etc...
Só
há vantagem em ter uma grande memória se a pudermos usar porque é
preciso comparar cada entrada com toda a existência em cada ciclo de
comparação. Enquanto estivemos limitados á nossa memória
individual interna lidávamos com esse problema com alguma facilidade
porque a nossa memória o que compara é o estado das coisas nos
diferentes momentos. Compara o que somos agora com o que éramos no
agora –1 (menos 1), no –2, no –3 e no –4 . Com as memórias
auxiliares, os livros por exemplo, a minha biblioteca pode estar
arrumada ou desarrumada mas nunca me dá uma média ou um resumo das
interacções do conteúdo do conhecimento armazenado naqueles livros
todos. Hoje temos maquinas que comparam a informação por nós, os
computadores têm cada vez mais memória RAM e tem velocidades de
funcionamento cada vez mais altas para poderem comparar mais
informação num espaço de tempo mais pequeno.
Uma
criança quando nasce não trás quase nenhumas memórias. Durante os
primeiros anos de vida vai absorver informação para estruturar o
seu sistema de gestão físico e mental. Nenhuma criança vai ter
recordações elaboradas para baixo dos três anos de idade mais
coisa menos coisa porque não tem base de dados com massa critica
suficiente.
No
bébé as primeiras imagens os primeiros sons as primeiras sensações
adquiridas pelos sentidos serão a base de comparação para tudo
aquilo que vier a conhecer ao longo de toda a sua vida.
Só
é possível apreender, compreender e memorizar aquilo que podemos
comparar com aquilo que já memorizámos e conhecemos. O que não
conseguimos comparar por falta de referencias torna-se traumático
quer dizer que fica em nós como que marcado a fogo no mais fundo da
nossa personalidade. Esses traumas são e serão a estrutura de cada
indivíduo e tudo ao longo da vida vai assentar sobre eles. Estes
traumas de que falo nos recém nascidos não têm a carga violenta
que costumamos empregar quando falamos de traumas em psiquiatria, mas
o resultado é o mesmo porque ao longo da vida podemos encontrar
situações em que os parâmetros sejam de tal modo extremos que
saiam dos nossos padrões de comparação , que rebentem com a nossa
escala e que por isso se tornem traumáticos e que alterem o nosso
centro de gravidade mental e psíquico.
Ao
nascer eu sou a dor, a luz, o som, os odores, o frio e a urgência de
ser.
Depois
evoluo para as flutuações de luz, de sons, de odores, de
temperatura e de fome. Depois á medida que a quantidade de
informação vai aumentando vou distinguindo padrões de luz, de sons
(a voz da minha mãe, o bater do seu coração), de odores, de
sabores, de temperaturas, de toques e vou memorizando esses padrões
e vou reconhecendo outros padrões diferentes e vou sabendo e
memorizando os padrões da minha mãe, os padrões do meu bem estar,
os padrões da minha fome, os padrões da minha dor e outros mais.
Vou distinguindo as diferenças e as recorrências. Vou colocando,
situando, os padrões no meu espaço envolvente criando com eles o
meu ambiente o meu mundo. Vou estabelecendo entre eles relações
interacções, ligações entre sons e luz, entre sabores e odores,
entre calores e frios, entre cada um e cada todos. Junto os padrões
á minha volta, os padrões escondem-me, protegem-me, são
familiares, confortáveis, seguros, os padrões são bons.
Cada
dia que passa, mais padrões aparecem, reconheço-os e gosto, tenho
prazer na sua companhia. Juntam-se em grupos, organizam-se, formam
padrões maiores, mais bonitos, os padrões são bons, iluminam o
escuro, empurram-no para mais longe. Dos meus sentidos chegam sempre
elementos que se juntam em mais padrões, sempre sempre , uns
reconheço outros não. Quando reconheço algum novo fico muito
contente. Reconhecer os padrões é bom. Começo a brincar com eles,
a juntá-los em varias posições até eles encaixarem, quando faço
algum grande fico contente, sinto prazer, construo padrões de
movimento, de som, consegui agora fazer um padrão grande,
complicado, com muitas interligações, um padrão de som e movimento
que vibra e brilha quando se activa quando pronuncio a palavra “mãe”.
Sim uma palavra, tenho que começar a pôr nomes nos padrões, com
nomes posso lidar com eles mais facilmente, tornam-se mais leves,
encaixam mais facilmente não preciso visualizá-lo a cada um por
inteiro. Já reconheço muitos padrões-pessoas pelas caras, pelos
sorrisos, pelos olhos, pelos sons e pelos cheiros e vou reconhecendo
os padrões-palavras mesmo pronunciados por pessoas diferentes, vou
guardando-os, comparando-os tentando reconhecer o seu significado.
Agora já tenho uma grande quantidade de padrões-palavras arrumados
á minha volta todos interligados, cada um com o seu movimento, a sua
vibração, o seu brilho e todos participando da vibração composta
total e com eles todos faço e desfaço padrões de ligações e
projecto a minha voz, começo a falar. O efeito dos padrões que
pronuncio nos padrões das pessoas informa-me da qualidade dos meus
padrões, reconheço padrões de aprovação ou de correcção e de
prazer. Fico muito contente, sinto-me bem a fazer padrões, é bom ,
é agradável, é seguro. Quero mais.
Os
primeiros instantes duma criança, os primeiros dias, fixam as bases,
as fundações da personalidade do indivíduo, de certo modo todos os
seus sentidos ficam calibrados sobre esses parâmetros e daí para a
frente tudo é comparado com esses atributos iniciais.
Esses
elementos primeiros serão a muralha interior, o núcleo do ego.
Daí
para a frente tudo é crescimento acrescentando sempre mais elementos
comparando-os com os que estão integrados, sempre numa perspectiva
de confirmar e consolidar os iniciais. É tudo um mecanismo dinâmico
constituído de todas as resultantes das comparações e
interligações que vibram a alta frequência e em que a cada
vibração verificam o seu estado individual e o estado do todo
comparando-o com o ciclo anterior. Tudo isto constitui uma unidade
que não admite alterações a não ser no sentido do crescimento
para afastar as fronteiras do conhecimento o mais longe possível. No
entanto esse crescimento só pode ter lugar numa determinada medida
porque cada elemento acrescentado tem que ser perfeitamente integrado
por comparação com todos os que já estão. A limitação do
crescimento é devido ao facto que é todo o ego que cresce por igual
embora o possa fazer com alguma orientação num sentido ou noutro,
sem nunca alterar significativamente o centro de gravidade.
Durante
anos o crescimento é continuo até que o tamanho se torna de tal
ordem que é demasiado para que as comparações integrais sejam
possíveis, nessa altura o ego “cristaliza” para se proteger
porque deixando de crescer entra em deterioração. Ao longo de toda
a vida dum indivíduo o ego será sempre igual ao iniciado na
impressão inicial, só podendo ser modificado de modo traumático se
ele for confrontado com elementos incomparáveis, ou seja para os
quais não tenha referencias que lhe permitam compreendê-los,
integrá-los e aceitá-los, esses elementos tornar-se hão traumas
que irão modificar o centro de gravidade do ego podendo inclusive
destrui-lo.
Os
traumas são indeléveis porque “queimam parte do tecido, da malha
de memórias que constitui o ego. Algumas interligações ficam
destruídas para sempre , a reconstituição do tecido só pode ser
feita contornando a área queimada. Na melhor das hipóteses os
traumas ficam enquistados, petrificam e permanecem relativamente
ignorados dentro da medida do possível. No entanto o centro de
gravidade ficou para sempre alterado.
Olho
o mundo á minha volta, aquele que os meus sentidos alcançam e por
mais longe que eu olhe, que eu oiça ou que eu sinta, não me
encontro, não estou lá, não me vejo lá. Eu estou sempre por trás
dos meus sentidos. O universo que eu conheço é o dos meus sentidos,
para mim só esse existe, aquilo que desconheço não existe no meu
universo.
Olho
para todo o lado, eu estou, eu sou, o centro do meu universo no
entanto estou por trás, fora dos meus sentidos, não me vejo, não
me conheço logo não existo no meu universo, sou o centro dele mas
estou fora dele. O meu mundo, aquele que vejo e vivo á minha volta
vai comigo para todo o lado, é o meu envolucro, a minha muralha, ele
protege-me no espaço e no tempo.
O
meu universo é constituído pelas minhas memórias, por milhões de
paisagens, sorrisos, lagrimas e canções. Mas em nenhuma dessas
paisagens ou outra memória qualquer eu estou, não me vejo lá por
mais que olhe, que lembre, que imagine, estou fora das minhas
memórias. Mas estou na memória dos outros. Não eu na realidade mas
a “ideia” de mim que cada um faz no seu próprio mundo. Cada uma
das pessoas que me conhece tem o seu próprio universo e em cada uma
delas eu tenho um lugar, relevante ou não, em cada um eu sou
diferente e vou-me transformando ao sabor das variações da ideia
que cada um de mim faz.
Tenho
assim centenas de vidas diferentes, talvez milhares.
Onde
estarei eu mais vivo? Aqui ou lá? Seja o aqui onde for e o lá lá.
Os
meus olhos captam a luz, ou não, eles captam a diferença de luz
entre aquilo que está iluminado e aquilo que não está, essas
diferenças de iluminação provocam uma diferença de potencial
entre os sensores que vai provocar uma corrente eléctrica que
“carrega” a codificação que faz a imagem no cérebro. É o
cérebro que vê e não os olhos. Os sentidos em geral só captam as
diferenças e traduzem-nas em informação que é enviada ao cérebro
ou recolhida por este onde é comparada com o registo dos instantes
anteriores e o cérebro toma nota das diferenças construindo com
elas a “imagem” sensorial total dos estado das coisas.
Digo
que é o cerebro no entanto não estou muito convencido que a nossa
consciência, o nosso ego resida no cerebro, assim como as memórias,
não é garantido que estejam no cerebro, podem estar no corpo todo
ou até no campo da alma. O cerebro é de facto muito importante e
não duvido que seja um “processador” ou milhares ou milhões
deles, mas nada nos garante que a informação e a consciência
estejam sediadas nele.
No
meu ponto de vista a nossa consciência tem uma existência repartida
em simultâneo sobre toda a extensão da nossa vida, passada,
presente e futura e portanto é provável que também todo o nosso
arquivo esteja na alma e não no nosso corpo.
Diz-se
que no momento da morte passam perante nós todas as memórias da
nossa vida, pois faz todo o sentido porque se temos uma vida
“simultânea”, como uma peça só, sobre toda a sua extensão
também “morremos” simultaneamente do momento “morte” ao
momento “nascimento”.
Tudo
em nós procura o equilíbrio, todo o nosso consciente mais do que
outra qualquer parte de nós ou é dessa que temos mais consciência(
pois pois) no entanto só o desequilíbrio produz movimento. Toda a
vida é movimento, nada pode estar parado nunca. É como uma fila de
dominós que fosse caindo sempre num circulo infinito (nenhum
circulo é finito nem infinito) sempre com as mesmas peças. Mas como
os dominós não podem continuar sempre a cair digamos que estão a
oscilar rapidamente ou seja a vibrar.
No
nosso ego ali onde está aquilo que pensamos que somos, e aquilo que
pensamos que o mundo é estão quantidades de conceitos elaborados
não na realidade mas nas diferenças entre aparências de realidades
e nas conveniências do nosso sistema de manter uma estabilidade
dinâmica.
Trabalhamos
assim com uma serie de preconceitos, rotinas que nos permitem
simplificar o funcionamento do pensamento e da consciência ignorando
a maior parte da informação para nos debruçarmos só sobre aquela
com maior carga de incomodo ou prazer.
E
depois dum analise assim tão profunda, tão fria, tão fora da
escala humana podem perguntar-me : E do amor, que é feito do amor?
De
que é feito o amor?
Vejam
no kamasutra de que é feito o amor.
No
entanto do amor queremos a aprovação , a indicação que existimos,
de que estamos num caminho válido de que cavalgamos as ilusões
correctas e de que estabelecemos uma ponte da alma para alma.
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