Os falatórios continuaram à sua volta e as piadas trocistas tambem, até já lhe chamavam o "afia-lapis" embora nunca o tivessem visto a afiar nenhum lápis com a preciosa faca.
Certo dia em que afiava mais uma vez a lamina com todo o cuidado, passando-a pela lixa fina ora dum lado ora do outro em gestos firmes e constantes, começou a falar sobre a faca sem que ninguem lhe pedisse nada, falava como se fosse só para ele, uma especie de monólogo, quase um fundo musical para a dança da lamina.
-Não entendem..., nunca poderão entender..., porque é que esta faca deve estar sempre bem afiada, não vêem..., como poderiam ver... ela corta no invisivel... ela corta o sono da tarde, aquele que sempre me atormenta depois do almoço, corta o sono às fatias fininhas e os sonhos nascentes também para que o vento os leve para longe... não, não entendem... mas é melhor assim...
-Pera aí, tu estás a dizer que cortas o sono às fatias?
-Sim corto, mas vocês não o podem ver
-Mas nunca te vi cortar nada... nem fazer o gesto de cortar... pões essa coisa no bolso e pronto
-São mistérios que não consegues ver nem alcançar
-Sabes uma coisa? Tu és completamente maluco! e riu-se alto em grandes gargalhadas.
Durante uns dias foi motivo de chacota de toda a vizinhança
Ah!!Ah!Ah!, cortar o sono ás fatias!!! Ah!Ah!Ah!
Ele não se impressionou com a troça, dia após dia continuou a manter o ritual de afiar a faca.
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